Terrorismo – A REDE – O Terror Finca as Bases no Brasil
Publicado Veja – 18/04/2011
O homem acima, de barba branca, coberto pela veste marrom e com a cabeça envolta num turbante, é o iraniano Mohsen Rabbani. Entre as dezessete pessoas que o cercam, há oito brasileiros. Rabbani é considerado por essas pessoas um professor. A sala de aula fica em Qom, cidade-do Irã que é sagrada para os muçulmanos xiitas. Convertidos ao islamismo, os jovens brasileiros viajaram com todas as despesas pagas com o objetivo oficial de aprofundar seus conhecimentos sobre a religião. O proselitismo e o arrebanhamento de adeptos são comuns a todas as crenças. Nesse caso, porém, existem distorções preocupantes. Rabbani não é um professor qualquer. VEJA revelou há duas semanas que, além de ostentar a condição de um dos terroristas mais procurados do mundo, ele também é responsável pelo recrutamento de jovens brasileiros para cursos de “formação religiosa”. O que esse terrorista apontado como executor de um dos mais sangrentos atentados da história e responsável pela morte de mais de uma centena de pessoas pode estar ensinando aos brasileiros é, no momento, uma das principais preocupações das autoridades. As pistas descobertas até agora para desvendar esse mistério não são nada alentadoras.
O “professor” Rabbani é procurado por sua participação em atos de terrorismo desde 9 de novembro de 2006. Sua captura é considerada tão vital que a Interpol o incluiu na chamada “difusão vermelha”, a seleta lista dos homens mais procurados do mundo. A ordem internacional de prisão contra Rabbani foi expedida pela Justiça argentina. Ele é apontado como um dos mentores dos dois atentados contra alvos judeus em Buenos Aires, que mataram nada menos que 114 pessoas em 1992 e 1994. Rabbani era funcionário da Embaixada do Irã na capital argentina e teria atuado não só na elaboração como também na execução dos atos terroristas. Com status de diplomata, hoje ele é protegido do regime do presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad – e o responsável pela arregimentação de seguidores em toda a América Latina (veja documento na pág. 68), que se dá mediante promessa de influência religiosa e também de dinheiro. Chama atenção o esforço de Rabbani em amealhar seguidores em regiões pobres do Brasil sem nenhuma tradição ligada ao Islã.
“Rabbani representa um grave risco para a segurança, inclusive do Brasil. Na Argentina ele difundiu sua visão do Islã radical, extremista e violento, que resultou em dezenas de vítimas nos ataques terroristas em Buenos Aires. Agora, baseado no Irã, ele continua a desempenhar um papel significativo na propagação do extremismo na América Latina”, disse a VEJA o promotor Alberto Nisman, chefe da unidade especial do Ministério Público argentino encarregada de investigar os atentados.
O aliciamento de brasileiros para os cursos de Rabbani no exterior vem sendo acompanhado há quatro anos pela Polícia Federal e pela Abin, o serviço secreto do governo. É o próprio Rabbani, com a ajuda de pessoas de sua confiança, quem escolhe os que devem embarcar. De 2007 até hoje, três grupos de brasileiros já visitaram o Irã. Há razões de sobra para tamanha vigilância. O curso tem, de fato, um forte conteúdo religioso. Mas não é isso o que preocupa. Alunos de uma das turmas de Rabbani já confidenciaram que durante as viagens visitaram instalações do grupo radical libanês Hezbollah, organização considerada terrorista por muitos países, entre eles os Estados Unidos. Relatórios aos quais VEJA teve acesso apontam os cursos do professor Rabbani como uma porta de entrada para o terrorismo. De acordo com esses documentos, as aulas são usadas para fazer pregações radicais e incluem treinamentos em campos militares.
A 180 quilômetros do Recife, no agreste pernambucano, a cidade de Belo Jardim é o mais ativo centro de recrutamento dos extremistas. Dos oito brasileiros selecionados para a primeira turma, levada ao Irã no fim de 2007, quatro eram de Belo Jardim. Um irmão de Mohsen Rabbani que morava em Curitiba cuidou pessoalmente do recrutamento. Hoje, a cidade pernambucana de 58000 habitantes merece constante atenção de agentes da Polícia Federal e da Abin. Entre os brasileiros aliciados estão um mototaxista, um professor primário, um funcionário do Banco do Brasil e um professor de inglês – todos de famílias humildes. Erlan Batista Machado, o mototaxista, nunca tinha entrado num avião até o dia em que embarcou para São Paulo, e, de lá, para o Irã, onde fez o curso a convite do iraniano Rabbani. No Irã, ganhou um novo nome: Sayd. Abordado por VEJA, Erlan disse que aceitou o convite porque queria conhecer mais sobre o Islã. “Foi uma experiência maravilhosa”, afirmou. Ele contou que nunca teve contato com terroristas nem com grupos radicais.
A reação do professor João Adriano Oliveira foi a mesma ao ser indagado sobre o assunto: “Foi apenas um curso de religião”. João Adriano, que dá aulas numa escola pública da cidade e diz dominar o idioma árabe, era um líder natural do grupo formado em Belo Jardim. Rebatizado com o nome de Abw Husayn, cabia a ele fazer os contatos com o irmão de Rabbani e com o Irã. As despesas de viagem foram pagas por uma fundação coordenada por Rabbani e patrocinada pelo governo de Ahmadinejad. João e seus colegas de curso receberam também pequenas quantias em dinheiro no período de permanência no Irã. Voltaram com a promessa do próprio Rabbani de que ele doaria 350000 dólares para a construção de uma mesquita na cidade.
Mensagens trocadas entre o grupo e interceptadas pela polícia brasileira revelam que o objetivo do recrutamento de brasileiros e de suas viagens ao Irã envolve mais do que a iluminação espiritual por meio da religião islâmica. As mensagens contêm evidências de que o grupo e seus chefes no Irã têm algo a esconder. A reportagem teve acesso a e-mails trocados por João Adriano, o Abw Husayn, com Rodrigo Jalloul, um paulista que foi para o Irã há quase quatro anos e por lá ficou – hoje, segundo as investigações, ele é o braço direito de Rabbani para assuntos que dizem respeito às atividades clandestinas no Brasil. Em uma mensagem de 5 de abril do ano passado, João Adriano avisa Jalloul, que planejava vir ao Brasil para uma visita, da existência de investigações sobre o grupo: “Envolveram a Polícia Federal numa investigação policial sobre lavagem de dinheiro pro Hizbullah. Um dia poderemos falar muito sobre tudo isso, mas creio que até hoje, mais de um ano somos monitorizados (sic). Se vier, o faça em segredo, de última hora e só avise estando na região”.
Entre os papéis apreendidos consta um anexo do documento que ilustra esta reportagem. Eles fazem referência ao Hezbollah e reproduzem seu inflamado discurso contra Israel e os judeus. Os alunos do curso de extremismo no Irã trouxeram na bagagem fotos de instalações mantidas pelo grupo libanês em solo iraniano – o roteiro incluiu excursões a diferentes regiões do país e visitas a líderes religiosos e políticos. “Não tem nada de terrorismo, o que nós aprendemos aqui é religião, e o senhor Rabbani nos diz que essas acusações contra ele são todas falsas”, disse a VEJA Rodrigo Jalloul. Não é o que pensam os responsáveis pela vigilância dos movimentos do terrorista no Brasil. “Nosso maior temor é que estejam recrutando soldados para futuras ações terroristas por aqui, e por essa razão devemos redobrar a atenção sobre essas viagens, especialmente porque em breve teremos no Brasil eventos de dimensão planetária, como a Olimpíada e a Copa do Mundo, que podem encorajar essas pessoas a cometer atos extremos”, afirma uma das autoridades que cuidam do assunto.
Junto com os recrutados em Belo Jardim viajaram para o Irã jovens da Argentina, Chile, Colômbia, Costa Rica e México. Os laços do grupo com a América do Sul vão além do aliciamento. A Polícia Federal tem informações de que Rabbani veio ao Brasil algumas vezes nos últimos anos. Numa delas, há cerca de três anos, ele se valeu de um expediente com potencial de causar uma crise diplomática. O extremista embarcou em Teerã com destino a Caracas, na Venezuela. De lá, entrou ilegalmente no Brasil. Operado pela estatal iraniana de aviação, o voo Teerã-Caracas era chamado pelos oficiais da inteligência de “Aeroterror”, por supostamente facilitar o acesso de suspeitos de terrorismo à América do Sul. O conivente governo venezuelano costumava negar o acesso da Interpol à lista de passageiros desse voo. A movimentação do professor Rabbani estava sendo acompanhada. A ideia era prendê-lo no Brasil. Avisada, a Polícia Federal chegou a montar uma operação –mas a ordem para desencadeá-la demorou a chegar devido a uma complicada discussão sobre a conveniência política da prisão. O extremista escapou mais uma vez.